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Pensar Portugal a partir da sua tradição


1. Há quem negue, mas não deixa de ser interessante que o Ceará, uma zona desértica do Brasil, tenha um nome tão semelhante ao deserto magrebino: Sahara. Poderiam os mouriscos, viajando nas caravelas e chegados a uma zona cuja paisagem lhes era tão familiar ter atribuído o único nome que descreve essa imensa aridez ardente na sua língua natal? Será, pois, o Ceará, o Sahara do Brasil?
2. Em Portugal, um pouco por todo o lado, há lendas de mouras encantadas, de tesouros dos mouros, de princesas ou príncipes mouros. Há quem diga que o povo “ignorante” atribui a tudo o que seja antigo o atributo de “mouro”. É um facto, mas isso não explica a razão. A razão deve ser uma só: o povo é o guardião da memória “colectiva” do país e, neste caso, aquilo que ali se guarda é a memória de que houve um tempo maravilhoso que este país viveu, um tempo que foi o do Portugal mourisco e, por isso mesmo, também cristão e judeu. A ingratidão e o complexo do discípulo que quer matar o mestre é que fazem com que se acabe por esquecer entre as elites, aquilo que o povo “sabe” muito bem.
Dirão os eruditos que muitas dessas lendas são mesmo pré-românicas, quanto mais pré-islâmicas. Mas o importante aqui não são as lendas, mas o facto de o povo ter revestido essas lendas (por todo o país, de norte a sul!) com uma veste “moura” e não outra. Só quem tiver perdido um mínimo de objectividade é que pode ficar indiferente à quantidade de lendas ligadas a “mouros”.
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ehmet II
ue, lembrando Asín Palacios, se refere uma curiosa afinidade ou prolongamento interior, por assim dizer, entre o priscilianismo e uma escola do sufismo andaluz. As pistas singelas que aqui vou deixando são como lembretes de uma nossa história íntima, sagrada, escondida, que nenhum historiador, com olhos exteriores apenas para o que julga ser "factual", nunca poderá ver, por muito que olhe.
Diogo Pires (Lisboa, 1500 - Mântua, 1532), secretário de D. João III, depois da visita a Lisboa do misterioso David Reubeni, vindo da Arábia, mudou de nome para Salomão (ou Solomon) Molco, circuncisou-se a si mesmo (quase encontrando a morte) e, fugindo de Portugal, assumiu a sua condição judaica. Na Arábia do século XVI havia judeus e, no entanto, Salomão Molco haveria de fugir de Portugal e morrer às mãos dos inquisidores italianos...
nel, filho de Isaac Abravanel (que referimos na entrada anterior em torno dos sábios portugueses das três tradições, nasceu em Lisboa cerca de 1465 (e terá morrido em 1523 em Itália) e ficou conhecido como Leão Hebreu. Escreveu os famosos Diálogos de Amor. Nestes diálogos, Fílon vai conversando com Sofia; é, portanto, o verdadeiro diálogo filosófico (filo-sofia, o amor dialoga e procura a sabedoria).

a não viria fundar aqui os conventos, "mas iran tus hijas". E agora Deus lhe diz que fundando estes conventos em Portugal queria assim poder "suspender el castigo que le di". Afinal, os portugueses que morreram na batalha foram salvos, mas o castigo, contra o que dizia o frade, existe.
Não há outra forma de conhecer Portugal a não ser partindo dos sinais a que temos acesso. Desde o Romantismo que se procura estudar o Portugal popular, os costumes do povo. Esta tendência chegou aos dias de hoje e tem feito esquecer o estudo das elites do nosso pensamento. De um modo despretensioso, tenho procurado aqui apenas lembrar algumas personalidades que, muitas vezes de um modo discreto, deixaram, no entanto, marcas profundas. É esse o caso dos mestres de Ibn 'Arabî já referidos em entradas anteriores. Há outras personalidades, como Abravanel, que tiveram uma importância social imensa, desde logo pelas funções que desempenharam. Não é possível, num blogue, ir mais longe do que apenas indicar, sugerir, lembrar. Nos tempos de hoje, já não é pouco.
Isaac Abravanel (1437-1508), nasceu em Lisboa e morreu em Veneza, tendo sido enterrado no cemitério judeu de Pádua. Foi homem de acção - conselheiro político de várias cortes e financeiro - e também homem de contemplação - filósofo, comentador da Bíblia e messianista. Aquele que nos importa aqui é apenas o homem de contemplação, autor de comentários à Bíblia, ao Guia dos Perplexos de Maimónides e, entre vários outros livros, autor de As Fontes da Redenção.
Nota: quando vamos nós, os portugueses, voltar a lembrar aqueles que são nossos? Peço ao leitor que aprecie bem estes selos e tire daí as suas conclusões: o que é que não lhe soa bem? Os selos não são portugueses, pois não? Foram emitidos em 1992 para comemorar o quinto aniversário da descoberta da América. [Sim, é verdade, no selo da direita diz mesmo Issac...] O retrato é a representação tradicional de Abravanel.
Rabi Yehudah (ou Judá) ben Rabbi Moshe Albotini (ou Albutini), foi Rabi em Jerusalém entre 1500 e 1520. Discípulo do famoso cabalista Abraão Abuláfia, escreveu um manual místico em que se baseava no ensino deste último: Sefer Sulam ha-Aliya, A Escada da Ascensão. Sobre ele diz Moshe Idel em Os Cabalistas da Noite: "Outro cabalista extático que recorria a uma técnica onírica era R. Yehudah Albotini, um autor de origem portuguesa activo na Jerusalém do início do século XVI. Halaquista [i.e., intérprete da lei judaica, n.t.] notável, compôs um dos mais sistemáticos manuais de cabala extática, titulado Sullam ha-'Aliyah. Ao tratar das técnicas que visam alcançar uma experiência extática, este cabalista está bem ciente que alguns perigos espreitam o praticante; propõe, por isso, que quem pretenda servir-se das técnicas que ele aprendeu no livro de Abraão Abuláfia, deve, antes de o fazer, assegurar-se de que tem permissão celeste para tal. Havia o receio de que, conhecendo os nomes divinos, alguém tentasse servir-se deles para fins mágicos ou escatológicos. A permissão celeste poderia ser obtida recorrendo à técnica já mencionada: she'elat Halom [o sonho-resposta, n.t.]." In Moshe Idel, Os Cabalistas da Noite, Pena Perfeita, 2006.
importância de al-'Uryanî, no entanto, dele o sufi de Murcia conta alguns episódios bastante interessantes; um desses episódios permite-nos perceber o tipo de liberdade que havia na relação discipular no sufismo ocidental, muito diferente da estrutura mais rígida do Oriente (voltaremos a este interessante tema numa outra oportunidade).
Nós fomos o extremo ocidental do Andaluz, prolongado até D. Dinis; aqui nasceram e por aqui passaram sufis que deixaram marcas profundas no Islão. Ibn 'Arabî, um dos maiores sufis de todos os tempos, nascido em Murcia no século XII, teve como primeiro mestre Abu Ya'far al'Uryanî [ou Uryabî] de Loulé. Este grande mestre português influenciou profundamente Ibn 'Arabî; um dos aspectos em que o marcou foi na prática do dhikr Allah.
Somos herdeiros das três tradições abraâmicas. Temos um dever a cumprir e os da filosofia portuguesa têm-se esquecido disso.