sábado, 7 de março de 2009

Esquecer a história: o que disse um cardeal

Paroaria Coronata (vulgo Cardeal)
Naturalmente, já passou. Ninguém recorda as declarações do Cardeal; porém, a mim parece-me preferível deixar o tempo passar e ver o que é que fica daquilo que passou.
O que ali mais me deu, e dá ainda, que pensar, uma vez que não fiquei "chocado" (o que é que ainda nos pode chocar?), não foi a referência aos casamentos com muçulmanos, mas outra coisa, quer dizer, aquilo que verdadeiramente me impressionou e até assustou foi o facto de o Sr. Cardeal ter afirmado que estavam agora "a dar os primeiros passos" no diálogo com o Islão. Esta afirmação parece ter passado despercebida a toda a gente e, no entanto, foi a declaração que mais deveria ter "chocado" as almas sensíveis que logo acorreram prontas a atacar tudo quanto diga respeito à religião: seja porque entendiam que o Sr. Cardeal era reaccionário, seja porque entendiam que os muçulmanos são brutos com as mulheres - mas tudo apenas para que, por um ou outro lado, pudessem atacar a religião.*
Uma declaração destas parece demonstrar uma estranha insensibilidade (prefiro pensar que não é ignorância) em alguém que desempenha funções muito importantes dentro da hierarquia do clero da Igreja. O Islão existe há mil e quatrocentos anos e, em muitos países, cristãos, judeus e muçulmanos têm sido vizinhos de porta (literalmente). Portugal é um destes países. Não se entende como é que o Sr. Cardeal possa ter passado ao lado ou por cima da riquíssima história multi-secular que une e separa as duas religiões. É como se de repente o Islão tivesse aparecido em Portugal apenas há uns anos.
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* Não devemos fazer comparações absurdas e apressadas entre civilizações. A verdade, no entanto, é que os muçulmanos têm, em muitos casos, esquecido aquilo que deviam lembrar: por exemplo, que numa altura em que, na Europa, se discutia ainda se a mulher tinha ou não alma, já no século VII os muçulmanos tinham reconhecido o direito de propriedade da mulher; numa altura em que a mulher era, na Europa, considerada a fonte do pecado, já a mulher muçulmana (de resto, como a judia) era culta (por exemplo, escrevia poesia).