sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Sábios portugueses das três tradições (III)


Albotini, um cabalista português em Jerusalém


Rabi Yehudah (ou Judá) ben Rabbi Moshe Albotini (ou Albutini), foi Rabi em Jerusalém entre 1500 e 1520. Discípulo do famoso cabalista Abraão Abuláfia, escreveu um manual místico em que se baseava no ensino deste último: Sefer Sulam ha-Aliya, A Escada da Ascensão. Sobre ele diz Moshe Idel em Os Cabalistas da Noite: "Outro cabalista extático que recorria a uma técnica onírica era R. Yehudah Albotini, um autor de origem portuguesa activo na Jerusalém do início do século XVI. Halaquista [i.e., intérprete da lei judaica, n.t.] notável, compôs um dos mais sistemáticos manuais de cabala extática, titulado Sullam ha-'Aliyah. Ao tratar das técnicas que visam alcançar uma experiência extática, este cabalista está bem ciente que alguns perigos espreitam o praticante; propõe, por isso, que quem pretenda servir-se das técnicas que ele aprendeu no livro de Abraão Abuláfia, deve, antes de o fazer, assegurar-se de que tem permissão celeste para tal. Havia o receio de que, conhecendo os nomes divinos, alguém tentasse servir-se deles para fins mágicos ou escatológicos. A permissão celeste poderia ser obtida recorrendo à técnica já mencionada: she'elat Halom [o sonho-resposta, n.t.]." In Moshe Idel, Os Cabalistas da Noite, Pena Perfeita, 2006.

Sobre a separação entre o corpo e a alma diz o seguinte:

"Depois destes diversos preparativos [ascéticos], quando estás prestes a conversar com o teu Criador, liberta os teus pensamentos de toda a mundaneidade. Põe o xaile de oração, se possível põe os teus tefilim nas mãos e na cabeça, para que temas a Shekinah que está contigo nesse instante [...], senta-te e põe junto a ti tinta, uma pena e papel e começa a combinar letras a toda a velocidade e com o espírito exultante. [...] A finalidade é separar a alma [do corpo] e purificá-la de todas as formas e coisas corporais que a oprimem, despi-la para que concentres o teu coração, o teu intelecto e a tua alma sobre a forma inteligível ou sobre o conhecimento ou sobre a questão que colocaste e para a qual esperas uma resposta de Deus, bendito seja." In Charles Mopsik, Cabale et Cabalistes, Bayard, 1997, pp. 207-208.

De seguida descreve o caminho que a alma deve fazer, patamar a patamar, vendo-se na presença do Altíssimo com os seus anjos e querubins, tremendo de medo.

Tudo isto tinha uma seriedade imensa e integrava-se numa tradição que, por assim dizer, "protegia" o cabalista. Se, mesmo assim, protegido como estava e sempre acompanhado de um mestre experiente, o cabalista corria perigos imensos no seguimento das suas operações e meditações teúrgicas, pode calcular o leitor os perigos que correm hoje quantos percorrem os trilhos pretensos de uma "cabala" amansada ao jeito moderno.