Abu 'Imrân al-Mîrtûlî, um outro mestre português de Ibn 'Arabî
Al-Mîrtûlî, isto é, de Mértola, foi um outro mestre de Ibn 'Arabî. Não teve a mesma importância de al-'Uryanî, no entanto, dele o sufi de Murcia conta alguns episódios bastante interessantes; um desses episódios permite-nos perceber o tipo de liberdade que havia na relação discipular no sufismo ocidental, muito diferente da estrutura mais rígida do Oriente (voltaremos a este interessante tema numa outra oportunidade).
O jovem Ibn 'Arabî andava atormentado por um estado de perplexidade de que não conseguia sair; consultou o seu primeiro mestre al-'Uryanî, que lhe respondeu nestes termos simples e desconcertantes: «Meu companheiro, ocupa-te com Deus!» Ainda dominado pelo mesmo estado de alma, foi procurar al-Mîrtûlî e consultou-o a propósito do mesmo assunto; este respondeu-lhe por estes termos: «Ocupa-te da tua alma!». Perturbado, Ibn 'Arabî exclamou interrogativamente: «Como é possível que Sheykh al-'Uryanî me tenha dito para me ocupar com Deus e tu para me ocupar com a minha alma?» Al-Mîrtûlî respondeu emocionado: «Al-'Uryanî dirigiu-te para Deus, e o regresso é para Ele. Cada um de nós respondeu-te de acordo com o seu estado espiritual. Que Deus me permita alcançar a estação de al-'Uryanî. Por isso, ouve-o a ele, que será melhor para ti e para mim.» Tendo saído dali, Ibn 'Arabî dirigiu-se a casa de al-'Uryanî e contou-lhe tudo o que se tinha passado. Este respondeu-lhe assim: «Ele indicou-te o caminho, enquanto eu te indiquei o Companheiro. Deves, por isso, agir de acordo com o que ele te indicou e com o que eu te indiquei.»
O método do mestre de Mértola parece ter sido sobretudo o de uma intensa ascese. Segundo Ibn 'Arabî ele seria um dos três homens, que em cada época existem, que são assitidos por Deus para depois se voltarem para as criaturas para e, por sua vez, lhes prestarem assistência, dando o que receberam. Homens como o mestre de Mértola nada querem para si mesmos, tudo pedem para os outros.
«A sua energia espiritual, diz ainda Ibn 'Arabî ilustrando o que ficou dito, estava unida a Deus com o intuito de me proteger de seduções e regressões». «Este mestre foi um místico de grande vida interior, de contemplação perfeita, dotado de uma consciência extraordinariamente escrupulosa, sempre concentrado em si (...)».
Ibn 'Arabî refere pelo menos dois outros portugueses do seu conhecimento no livro sobre a vida dos sufis andaluzes referido na entrada anterior; deixo aqui apenas os seus nomes: Abû 'Abd b. al-'Âs o de Beja e Abû 'Abd Allâh b. Zayd o de Évora.